... da totalidade das coisas e dos seres, do total das coisas e dos seres, do que é objeto de todo o discurso, da totalidade das coisas concretas ou abstratas, sem faltar nenhuma, de todos os atributos e qualidades, de todas as pessoas, de todo mundo, do que é importante, do que é essencial, do que realmente conta...
Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano IV Número 44 - Agosto 2012

Editorial


Because I pissed off humans conflicts and politics,
because I don't want to take part for or against,
because religions and their symbol are just...
nothing but emptiness.

http://lotusgrisdesign.deviantart.com
Salve, Salve!

Embora TUDA não engage, publica engajamento. Embora TUDA não levante bandeiras, oferece o mastro. E como TUDA não julga, não saberia dizer se está certa ou errada...
"Oxalá eu tivesse nascido morto."
Jorge Luis Borges
Agosto TUDA! TUDA Agosto tematiza na arte iraniana. Para entender um país, sua sociedade e seu povo, é preciso primeiro tentar entender sua cultura. É no estudo desta área onde a identidade de um povo se expressa.

Uma das heranças mais ricas na história do mundo, a arte iraniana - ou persa - contribuiu com muitas disciplinas, como arquitetura, pintura, tecelagem, cerâmica, caligrafia, metalurgia, cantaria, cinema, música, poesia e literatura.

Inspirada pelas atrocidades homofóbicas que recentemente vêm sendo cometidas no Irã, TUDA contrasta a violência do extremismo islâmico intolerante com a beleza da arte e da poesia naquele país.

É isso, companheiros. Na suja LabUTA do cotidiano, que embora não tenha a tolerância como uma obrigação social e moral, ela é esperada, e muito bem-vinda... pena que nem todos a cometam! E se não a cometessem apenas, seriam ainda toleráveis os intolerantes, mas não, operam contra e em sentido oposto, e acabam eventualmente vencendo, vez ou outra, seja por imposição e força, seja pelo abandono alheio da causa!

TUDA's input device for August

Seja como flor,
'braço forte!

Asyno Eduardo Miranda
o (auto-proclamado) editor
deste porto seguro da jlha do Eire
oje, sexª feira, terº dia do oitº mez
d este Anno Domini de MMXII

Dívida Interna

Damnation of the Evil Painting, by Nancy Mueller

Editor
Eduardo Miranda

Capa
José Geraldo de Barros Martins

Digitação
Eduardo Miranda

Revisão
Sendo este projeto "às próprias custas", a revisão fica ao critério dos autores.

Participam desta edição:
Anastasios Gionis, Andreas Zielenkiewicz, Andrzej Troc, Arnaldo Xavier, Carla Andrade, Caspar David Friedrich, Cesar Cruz, Dorival Fontana, Edson Bueno de Camargo, Eduardo Miranda, Eugene Soloviev, Hamilton Faria, Janet Butler, Joan Miró, José Geraldo de Barros Martins, José Miranda Filho, Lu Xinjian, Mandy O'Brien, Marina Alexiou, Pedro Du Bois, Ramona Deininger, René Magritte, Ronald Augusto, Ruy Espinheira Filho, Santiago de Novais, Scott Scheidly, Souzalopes, Torquato Neto, Tracy Wall, Vagner Barbosa, Van Gogh, Vitaly S Alexius e W. B. Yeats.

E-mail
tuda.papel.eletronico@gmail.com

Poesia - Arnaldo Xavier

Merciful - Calligraphy Painting, Oil on Canvas
by Mohammad Ehsaei

(...)
21

qualquer que seja o malmequer
qualquer que seja o bem-me-quer
seja qual flor

22

Pomba azul
céu estupidamente branco
negr’olho nu

23

Lua
luz lilás goteja
encanto flamboyant menstrua

24

Luz
Toda
escuridão

(...)

[in Arma Zen, inédito]

Poesia - Souzalopes

Untitled, by Yaghoub Ammamepich

Manifesto do Partido Comunista
em cordel
Anônimo de Souza

(...)

2 – Proletários e comunistas.

Sempre está o comunismo
Unido ao trabalhador;
A toda gente operária
Nós damos maior valor.
Para nós, o proletário
Nunca dirá “por favor”.

Queremos tudo o que quer
Todo partido operário:
Vida melhor para todos,
Do peão ao bancário.
Derrube-se a burguesia,
Erguendo-se o seu contrário.

O ideal comunista
Não foi nascido do nada:
É fruto das condições
Da nossa classe explorada
Que precisa dar um fim
À propriedade privada.

O trabalho por salário
Não garante nossa vida:
O burguês fica mais rico
E seu capital se estica.
Não temos nada de nosso
E a situação se complica.

Mas é do nosso trabalho
Que nasceu o capital.
O nosso salário mínimo
Representa nosso mal.
Quanto mais nós trabalhamos
Menos vemos o metal.

Do nosso trabalho o fruto
Mal chega para comer,
Levar vida miserável,
Sem direito de querer,
Obedecendo até quando
Eles nos mandam morrer.

O nosso trabalho vivo
Assim vai se acumulando.
Quando houver o comunismo
Teremos voz de comando:
De todo nosso trabalho
Vamos estar aproveitando.

Os burgueses falam muito
Nessa tal liberdade,
Que para eles consiste
Em manter a propriedade.
Assim mandam em nossa vida,
Dominam nossa vontade.

A liberdade para eles
É só comprar e vender.
Só eles que são pessoas,
Só eles podem querer.
Eles se enganam, coitados:
Um dia vamos poder.

O comunismo não quer
Roubar o trabalho alheio.
Quer evitar o contrário
Deste quadro que é tão feio.
“abaixo o trabalho escravo!”
- Nós gritamos sem receio.

Eles dizem que sem eles
Morrerá toda cultura;
Que sem haver capital
A vida não é segura.
Eles mentem, por que sabem
Que nós somos o futuro.

Quando eles falam cultura
Dizem só “adestramento”,
Homens que se tornam máquinas,
Sofrendo todo tormento.
Pra eles não somos gente,
Somos simples instrumentos.

Eles dizem que à família
Nós queremos destruir:
Outra mentira que contam
Porque queremos unir
Crianças que não trabalhem,
Pais e filhos a sorrir.

Foi em nome de tal família
Que veio a prostituição.
As mulheres, para eles,
Só servem à produção.
Entre si são todos cornos,
É assim que eles são.

Dizem que o comunismo
À pátria não tem respeito.
É verdade: nossa pátria
Não é a lei de um sujeito.
Nossa pátria é para sempre
O homem livre, não sujeito.

Nós não somos de atacar
Ou matar um companheiro
Só porque ele nasceu
No território estrangeiro.
Nossa pátria, a liberdade,
Não se compra por dinheiro.

A história desse mundo
São as classes em combate.
Revolução sempre houve:
O novo ao velho abate.
Só se acabarmos as classes
Tudo será igualdade.

Como á vida é desigual,
E desiguais os Estados,
Não vale o mesmo critério
Entre ricos e atrasados:
Vigorando a mesma lei
Fracassam os resultados.

Assim diremos, são dez
Itens do nosso programa
Que podemos praticar
Seguindo esse panorama
Adaptando os casos
Conforme for cada drama:
-O latifúndio é crime.
-Quem paga imposto é o rico.
-Ninguém herda o que não fez.
-Quem não presta diz não fico.
-Todo dinheiro é do povo.
-Motorista não faz bico.
-Terra e fábrica para todos.
-Quem puder, vai trabalhar.
-Cidade e campo se ajuntam.
-Crianças vão estudar.
Assim dizemos pra sempre
Assim vamos vigorar.

O que chamam poder público
Nunca mais será político.
Nunca mais haverá classes
Nem o seu ranço raquítico.
O velho poder dos velhos
Morrerá de sifilítico.

Nova vida social
Tira o lugar do burguês.
A velha sociedade
Já perdeu a sua vez. –
Quando um se desenvolve
Um mais um já são três.

Poesia - Plínio de Aguiar

آهو - نسرين خيري
Deer, by Nasrin Kheiri

Chão de Varanda

Tenho saudade dos sonhos
E sinto-a olhando o chão
Da varanda em pleno sertão.

Quadrados de cerâmica azul
Sob tantos passos rejuntam
O espelho do que sinto.

Penso
Talvez minto.

(Plínio de Aguiar, Cipó, BA, 2012)

Poesia - Hamilton Faria

Geometric arabesque tiling on the underside
of the dome of the Tomb of Hafez in Shiraz.

Lirial
Morava na alegria
E nunca mais morreu

Zero
Subtraio-me ao tempo
E me acrescento

Liame
Um certo riso meu
Nasce no outro

Súbito para uma flauta
Soprar avenas
Nas almas pequenas

Noturno
Estrelas escondidas
No céu e nas vidas

Poesia - Santiago de Novais

Iran - People are hanged for the "crime" of Homosexuality
(imagens enviadas pelo autor)

SURATAS 1, 2, 900 E 4.000 ETC


(Em vários países (árabes principalmente),
homens e mulheres, adolescentes de 13 anos ou menos e adultos.
são executados publicamente por serem homossexuais, “para servir de exemplo”.
Please go against public gay execution in Iran: http://outrage.org.uk

Surata 1
Eu vos bendigo, Eu vos digo salvos.
Deus os quer meus irmãos de Teerão.
Que Alah conforte suas almas.

Surata 2
Ei de todo lugar:
Acalmai vosso espírito!
Não se desesperem!
0 grande favor
Não é vingança, é
Despedaçado e poeta
Chegou meu dia só por ter que sei eu?


[Tudo deixou de ser fantasia
Poetas não falam mentira nem inventam
Condensam e explicam e não confundem]
Algemas agulhas amarrias
Viver
Santa paciência de mim oh Senhora!
Pra quê?
Sóis a pombinha rola dos livros de José de Alencar?
Se agora
Desgraçado não lhe resta nem
Viver


Do que não tenho raiva não sei dizer
Sei que é dela e nem tenho pra falar
Com venda nos olhos e parcial
Como é viver sem dor?
As unhas sujas de se unhar
Tinha a toda vida
E agora só a das partes menor, arranhar a morte,
Lutar contra ela
Minhas vértebras quebradas
Nunca tive paz e sossego, ora porque não nasci em Turks and Caicos?
Fácil, queria deitar Nas Rochas de Abas Abad e sentir
Sôfrega
Sou leve a brisa do Cáspio! Mmmmmmmmmmmmmmmmmmmmm



Surata 9.000
A justiça sobre seu amor ?
Está equivocada.
Quem vai julgar o certo anda nas nuvens.
E não pisando o chão enlameado de sangue de Teerão.
Até lá, Salam, paz para sua alma. Sorbet de Pistache.
O refrigério para seu corpo calcinado.
[Vai abrir colchetes mais pra frente].
Dor e alegria.
Morrer é até
Um grande favor: Sou uma pena.
Tenha perna de mim oh Senhor, não sei voar sobre o chão Bushehr confundo.
[Vai abrir colchetes mais pra frente].
[Depois da ida da donzela de Castro Alves o tuberculoso ]



Surata 4758
As penas pra escrever te dou:
Não sei , não me bata,
Já morri mesmo e nem nasci.
Prende-me
Pra mim só suas pernas de moço
Me solta
Conforto pra andar juntos
Pisa, pendo, sufoco, dói
Morrer é um voar?
Imobiliza-me Alá


[Vai abrir colchetes mais pra frente].
sOh Senhora com minha morte não se importa?
Látego venda de olhos rubber mask grilhões amarrias
Arranha isso é Masoch? Eles são ?
Não fosse o Senhor tão moço, eu. Digo:
Solta...
[Morreria de verdade
Das Donzelas indiferentes ]
Prende-me prende-me prende-me prende-me perdi minha mãe e tudo!
Quem se importa comigo além dos cavalheiros de frete ?
Humilha-me, sou um novo Jesus. Sou novo Judas de Asas.

Surata 4
E vem o anjo e o profeta e a mãe
E O amor é tudo o que me humilha,
O que pra mim era sublime, agora é minha nuca desmembrada -
Oh senhor alguma destas crianças me salvar dizendo:
“E se alguém salvar uma vida, será como se tivesse salvo toda a humanidade" -
Dizer bem alto a 2ª segunda surata revelada em Medina,
Versículo 190 que diz:
“Combatei pela causa de Deus, aqueles que vos combatem; porém não pratiqueis agressão
Porque Alah não estima os agressores.”
GOLPE? Falta me o ar. E Jesus só morreu na cruz? E eu mais?
A sua falta
Não dói mais.
Sou o que se quebrou do Pessoa:
Tortura.
[Vai abrir colchetes mais pra frente]
Sou mais cacos do que um vaso só daria e,
Apanho como...
[Depois de Castro Alves o tuberculoso
Pra mim só suas penas de moço
Sufoca]
Onde deito minha cara batida?
Esmurra se não sou nada mais.
Sinto-me sua cadela vadia
Não fosse o Senhor moço,
Mesma coisa vida vazia
Morreria de verdade.


Surata 93
Cospe-me. Tás feliz?
Ei, então, veja só,
Ora, ora meu Senhor isso é que te faz sentir valente:
Quem seria se não fosse assim por ser?
Ouça, ouça bem:
Senhora, Senhora!
Tua escuridão e tarde sem sol
Não demora!
Ouça, ouça bem.
Senhor, Senhor!
Tua mão que me aperta
Não faz dor!
Bate-me espanca torce-me corta-me marca-me morde trinca
CONTINUO ANJO LINDO EU ALÇO VOO MINHAS ASAS BRANCAS LINDAS MEU ALÁ SOU EU?
Melhor que o amor
É não fingir.
Como Senhora?
Já quero viver
O castigo é antes e o amor que se foda.





Poesia - Dorival Fontana

Addiction - painting acrylics collage on canvas, by Seth Siro Anton

Adicção

Cocaína dos meus olhos,
lágrimas cristalinas
que não choram...
pela manhã desmoronam,
vespertinas dormem,
a noite sonham...
sempre retornam
à origem das formas.
Medíocrealidade.
Taquicárdica pulsa.
Epistaxe repulsa.
EntorpeSenteAlma.

Poesia - Pedro Du Bois

Fabian Perez, Man at the Bar IX

Rudimentos

O corpo tosco, ideológico, a bebida
barata do bar da esquina, o olhar
inerte sobre a toalha: a lembrança
é mortalha viva do intelecto e o longo
caminho percorrido no alongar o físico;
o contato contamina o todo destinado
e aos ouvidos se rebelam sons inaudíveis;
repete o gesto com que bebe o líquido,
repete as vezes despretensiosas da saudade;
reafirma ao homem da outra mesa a incerteza
da sobrevivência: ideológico, destila o humor
esbranquiçado da verdade: o homem ao lado
faz de conta que não é com ele e bebe
aos santos de todos os sábados.

(Pedro Du Bois, Rudimentos 1, inédito)

Poesia - Edson Bueno de Camargo

Untitled, by Somayeh Moharami
Lilith

entre a escolha
entre a mulher virtuosa
e a que caminha sinuosa

embora cindido
eu prefiro a que tenha asas

que me beije como um anjo
e escolha a posição que quiser

Poesia - Marina Alexiou

Imagem enviada pela autora
Sphinx at the entrance of Belvedere Palace - Vienna, Austria

Escrito Nº76

Olhar dócil mas amparado em uma força destruidora de Esfinge
De ímpeto que não concede erros ou mudança de espírito
A busca pelo seu sorriso pode representar um engano quanto a um questionamento livre de grilhões
Seres caóticos que somos, mergulhados em sombrias incertezas,
Atraímo-nos pela sua bela silhueta
Clara e fulgurante como um raio. Que entre espasmódicas aberturas, nos faz querer indagar
Pela sua origem, pelo seu aspecto numinoso, pelos seus ancestrais registros.
Placidamente, ela nos nega qualquer possibilidade de amparo ou uma nova condição.
O que foi conquistado não pode ser por ela alterado. A sua voz é sábia, quase inaudível, pois vem de muito longe.
A sua comunicação é breve, instantânea, cifrada. Por um código singelo, porém, inalcançável
Para aqueles que vivem sem conhecer o seu verdadeiro rosto,
Tão amistoso com quem lhe devota os seus mistérios
E implacável com intrusos e auscultadores do falso remoto.
Hoje, essa sufocante figura de um desconhecido passado, descansa a sua imagem em profanos mausoléus
Seus olhos são vazios e suas mensagens não passam de surdos oráculos
Mas, para alguns poucos que dela conseguem se aproximar, apesar de toda dor,
Ela sussurra uma melodia, e, com esta, acende a chama que os habita
Voltando a aquecer com seu leonino fogo, a paixão nessas solitárias almas.
< SPHYNX >

Poesia - Carla Andrade

Untitled, by Khalil Samaei Jablou

Cateto Oposto

O oval de mim
é  pulso na manhã,
língua no lamber do mar,
cabelos soltos em afã
nos obesos dedos do ar.

O mim no aval do mundo:

geometria das cores
de um pássaro, descora;
pó verde de homens
de suor, desbota.

Decora
ossos do calcanhar
de quem no oval



do tempo, pisa em mim.

O mim, no que ainda resta
de oval no mundo, é quadrado,
olhos fundos de vigas,
dentes podres em filas.

Estilhaço, mais um dia.
No oval redondo da vida,
tantas covas na hipocrisia,
bichos mortos de sonhos.

Crônica - Roniwalter Jatobá

From The Brazil Series, by Bob Dylan

Duas margens

Tinha Dalva que nem moça era, pois se perdeu na conversa rica de homem de posse, quem sabe, atrás de migalhas que esse pai dela, naquela época, nunca pôde dar. O resto, em casa, tudo homem. Homem, depois veio, até o burrego de Dalva, filho de pai alheio, pai no sangue, só, pois arrenegou Dalva antes do filho nascer, assim fiquei sendo avô e pai ao mesmo tempo. Lembro. Quando Dalva começou a tomar forma de mulher que ia parir, assustei na minha honra, mesmo honra de desfavorecido, e via aquilo como uma afronta, um susto na vida nunca antes acontecido. Fazer o quê?

Depois dessa descabeçada de Dalva, fui pensando, imaginando na lei que pendia dum só lado, Adelina chorava nos cantos e tresvariava parecendo ver Dalva, filha mais velha, nunca casando com aquela honra de moça desviolada, mas não, eu no muito pensar só via a miséria: a lida muita de sol a sol sem trazer alento nenhum em casa; fim de tarde, sentindo as costas latejando pelo cabo de enxada no capinar sem muita parada; os meninos crescendo, cada qual tomando forma de homem e todos andando pelas ruas à cata do que fazer, sem nada achar; na noite, depois de muita labuta, vendo Adelina soprando o fogão fumegando onde dias nem comida tinha, os meninos de olhos pidões, acocorados pelos cantos com rostos esfomeados.

Pra onde ir a não ser São Paulo?, tinha pensado. O pensamento tomando forma e vindo por primeiro um medo, medo das coisas que a gente não faz idéia, mas, quando via na frente, verdadeiro, os meninos de olhos remelentos, Dalva com o menino palpitando dentro dela, olhados na rua como se estivessem falando da minha fraqueza, nessa fraqueza de pai sem pulso forte, sem ódio na cara, sem coragem pra tomar partido dessa honra perdida, mais, muito mais, pinicava na mente a vontade de ir, me vir, trazer todos, tentar a vida de novo, quase cansado agora, mas vendo os meninos homens crescendo e tendo trabalho, canto de terra nunca tive lá, São Paulo falavam de serviços, pra qualquer idade, em qualquer tempo, oferecidos.

Aqui em São Miguel Paulista a casa é pobre, sei. Foi difícil acostumar os meninos que não deviam ficar na frente da casa por causa dos carros que passam na rua poeirenta bem apressados; se cuidassem da valeta que corria perene dia e noite com cheiro de bosta, que era doentio. Aí, os meninos de maior porte foram arranjando serviço por este São Paulo: Pedro numa construção em Pinheiros; Alberto no Brás, caixeiro de loja, menino de mandado; Dalva, deixava o menino dela, já de mamadeira, e ia toda manhã pra tecelagem na Mooca e voltava de tarde, cansada, unhas esfiapando se gastando nas mãos, mas sempre dizendo que tava gostando, amizade já tinha, parecia que tinha nascido aqui.

Trabalho mesmo na vinda pra cá, pouco que deu, foi Dalva de barriga grande querendo estourar de gorda, nos sete meses com filho sem pai, digo assim sem pai, pois é mesmo que ser, ela chorando no ônibus desde quando saiu de Bonfim e isso quando fui dar fé. Já chegando em Minas, me informaram, na divisa do Rio, andei dentro do ônibus mesmo correndo, a ponto de cair, me equilibrando nos bancos, pra desenferrujar as pernas e vi, vi os olhos de Dalva marejados ainda de choro, perguntei o que tem menina?, ela respondeu e chorou ainda mais, um choro sentido de fazer dó. Quando descemos na rodoviária Dalva fraquejou, o suor marejava como lágrimas na fronte, aqui não tinha calor, tinha frio, o receio de Adelina nela, todos muito se descuidando dos meninos que ficaram olhando a rua sem saber de nada, baixei os malotes e botei todo mundo junto, arrodeados. Dalva sentou segurada por Adelina se apoiando no chão da calçada, gente passava virando o rosto pra ver a mulher que parecia que ia morrer, eles diziam, também tinha: medo disso acontecer, não aconteceu, Dalva foi melhorando, as pernas dela foram agüentando o corpo, se botou em pé ainda com Adelina dando adjutório, foi se acostumando, foi se segurando sozinha, pouco depois, já levava um irmão mais novo seguro pela mão, o filho dela na barriga se bulindo, ela dizendo, menos que o movimento da rua.

Aqui, nunca ninguém falou do erro de Dalva, que ela é mãe de filho sem pai, num sei mais o quê, nada disso. Logo ela arruma algum marido e vai viver a sua vida.

Gosto daqui. Quando vejo Adelina ralhar com os meninos mais novos para que fujam de perto da valeta que corre água fedorenta, bem perto de casa, e os meninos entram pra assistir desenho na televisão que Dalva no primeiro mês de firma comprou a prestação ou quando escuto algum vizinho reclamar das filas do instituto, da demora muita no atendimento, me vem a lembrança de lá que nem isso tinha, me alegro. Aí, vejo Adelina em hora de folga já fazer amizade com os vizinhos da rua naquele bate-boca sem compromisso. Depois cuidando da casa nos afazeres, ligando a televisão pra afastar os meninos da rua digo: dá uma vontade de pegar todo mundo de minha terra, lá, e trazer todos aqui pra avistarem a minha sorte.

Conto - José Geraldo de Barros Martins


Em Memória De Um Grande Amigo

Já era domingo, e Josias Germano ainda não havia escrito a crônica em homenagem a seu grande amigo, Pedro Venâncio, que havia falecido há menos de duas semanas... um enfarte o levara e olha que seu amigo nadava todo o dia, não fumava, bebia pouco, se alimentava bem... porém o destino ninguém entende...

O nosso protagonista e a sua esposa Marília Olávia, tomaram um belo café da manhã: suco de maracujá, mamão, sanduíche de queijo, presunto crú no pão caseiro, chá com limão siciliano... porém ela observou que ele andara pensativo...

Ele estava indeciso... ora pensava em escrever uma crônica que falasse sobre a amizade com Pedro Venâncio sob uma perspectiva sequencial, ou seja, desde quando o conhecera no ginásio, as festas na juventude, a amizade com seus pais, seus irmãos, o trabalho na mesma empresa, o observar o crescimento de seus filhos, as conversas sobre viagens, literatura e futebol, a notícia sobre sua morte... ora pensava em escrever sobre, quando após missa de sétimo dia, ele e outros amigos Jalnyr, Ringo e Papagaio rumaram para um boteco de esquina no bairro da Aclimação para bebericar relembrando as estórias de Pedro Venâncio, frio intenso, uísque, cerveja e espetinhos, as lembranças das farras em comum, das viagens...

Depois do café-da manhã Josias Germano foi ao supermercado, comprou água com gás, cerveja de garrafa, laranja, mexerica morgot, melão gaia, batata asterix, escarola, maracujá, grapefruit, banana, pasta de dente... precisava ir buscar a cesta básica mensal no centro da cidade, mas antes resolveu parar no boteco da frente e tomar uma cerveja artesanal bem amarga... acabou bebendo uma “american india pale ale” feita em Pindorama... na ensolarada mesa de bar ele tentava pensar em um desfecho para a crônica, porém nada feito... então foi buscar a cesta básica...

Já na cozinha de sua casa, o nosso protagonista cortou uma peça de bife ancho em generosos pedaços enquanto bebia fartos goles de cerveja irlandesa... sua fiel escudeira então pegou o suplemento cultural que sai aos domingos no jornal, e resolveu ler para ele um poema de Omar Khayyám (traduzido por Luiz Antônio de Figueiredo):

“Vamos gozar, Amor, cada breve Momento!
Logo seremos Pó, levado pelo Vento!
Pó jazendo no Pó, e sob o Pó da tumba,
sem Vinho, sem Cantor, sem Música ou lamento!”

Então Josias Germano compreendeu... ele entendeu a lição dada pela partida de seu amigo, justamente aquele que não falava mal de ninguém e também do qual ninguém falava mal: perdemos muito tempo em picuinhas, grande parte de nosso pensamentos são destinados a besteiras... nos preocupamos com coisas que não fazem o menor sentido... precisamos viver, viver sem ter que pensar em coisas pequenas, viver sem nos desgastarmos em rotinas... viver cada momento: “Todo dia é dia D” como dizia Torquato Neto.

O nosso protagonista e sua fiel escudeira cortaram as batatas asterix e as dispuseram em uma assadeira com azeite, alho, sal grosso e alecrim... direto para o forno...também cortaram a escarola e fizerem um molho a base de azeite, vinagre de vinho, sal e pimenta do reino... grelharam os pedaços de bife ancho e comeram com a salada e as batatas, compreendendo que aquele era um momento único, que estas sãos as grandes coisas da vida, que aquele dia era o dia A, o dia B, o dia C e também era o dia D.

Então ele escreveu uma crônica sobre o seu almoço, pois apreciar cada pequeno momento da vida, descobrir uma epifania nas coisas mais simples era a melhor maneira de prestar homenagem ao seu grande amigo...

Conto - José Miranda Filho

Temple Bar Redevelopment, Dublin - Keith Thompson
15x11" Watercolor on Paper

Encontro de Amigos - Parte 9

Na semana seguinte, antes do embarque de retorno ao Brasil, agendamos um jantar para avaliarmos os pontos positivos e negativos da viagem que acabamos de realizar.

Dublin, como de costume estava cinzenta e fria. Um frio intenso e forte que penetrava na pela cortando-a qual uma lâmina de barbear. Meus lábios estavam ressecados e feridos. O céu parecia um manto negro cobrindo o horizonte que à distância nada se avistava. O sol não aparecia e as nuvens carregadas ameaçavam a aproximação de uma forte tempestade, que felizmente não chegou. O tempo, porém, permaneceu instável o dia todo, sem chuva, porém frio.

Dublin é a mais importante cidade da República da Irlanda, livre do poder dominante da Inglaterra. Está situada perto da ponte média da costa do leste da Irlanda, na boca do Rio Leffey, que corta a cidade. É o quarto País, entre cento e setenta e sete no mundo, em Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), conforme divulgação do PNUD, Programa das Nações Unidas. É também um importante centro cultural que atrai milhões de turistas todos os anos. Sua população atual está estimada em , aproximadamente três milhões de habitantes, ou mais, incluindo-se os imigrantes que vem de todos os recantos do planeta. Seus monumentos mais importantes são as pontes do Rio Leffey e os edifícios do governo. Na Irlanda fala-se, além do inglês, o irlandês ou “irisch”, segundo idioma do país, agora obrigatório nas escolas.

O acervo do Museu Nacional de Irlanda é muito rico e diverso. Lá se encontra de tudo. Na Biblioteca de Chester Beatty encontramos várias obras de poetas e escritores locais e de outras nacionalidades.

Esta era a última semana de nossa estada em Dublin, e por isso teríamos que aproveitar bastante o tempo restante. Não nos foi possível, infelizmente visitar a Catedral de Saint Patrick, majestosa e de imponente beleza, por estar fechada para reforma. Apenas contentamo-nos filmar o lado externo e fotografar seu jardim verde e florido. Demos um giro rápido pelo centro e tivemos uma visão dos edifícios e pontes, pubs, restaurantes e lojas de souvenir da cidade. No Parque Central, em frente a sua antiga residência, numa das ruas principais de Dublin, está erguida em tamanho natural a estátua do poeta e escritor irlandês, Oscar Wilde. Ao lado da estátua há um pedestal confeccionado em mármore preto, no qual se acham gravadas várias frases ditas ou escritas por ele. Como exemplos: “Eu bebo para manter o corpo e alma separados”, “Quem não é amado é pobre”, “Burrice é o nome que as pessoas dão ao seu próprio erro”, e várias outras, constantes de seus livros que ficaram famosas e atravessaram o tempo. Em Dublin há vários parques. Outro também famoso e conhecido pelo mundo é o Phoenix Park, verde, grande e arborizado, por onde milhares de pessoas passeiam todos os dias, andam a pé, de bicicleta e fazem piqueniques, utilizando-se de mesas e churrasqueiras colocadas no local para uso dos visitantes. Lá estão também as residências da Presidente da República da Irlanda e a do embaixador dos Estados Unidos, sem muito aparato de segurança daquela, mas de excitante cautela deste último.

A Grafton Street é a rua mais movimentada da cidade e reservada aos pedestres. É lá que se encontram os melhores hotéis e lojas de cidade. Na Kildare Street, estão o monumento do Parlamento, o Museu e a Biblioteca Nacional.O Trinity College, situado na Parliament Square é a mais tradicional instituição educacional de Dublin. Em seu edifício fica a famosa torre Campanile, projetada por Charles Lanyon em 1853. Deve ser visitada, obrigatoriamente.

Hoje, estamos no dia 25 de outubro, há menos de cinco dias de regressarmos ao Brasil. É também o dia consagrado às artimanhas das bruxas, o Halloween, Em 31 de outubro se comemora a festa de Hallowen, tradicional em toda Irlanda, tanto na República quanto em Belfast. É uma festa típica da Inglaterra, do Canadá e dos Estados Unidos. É costume nesse dia as crianças saírem de casa em casa, batendo nas portas, pedindo guloseimas, doces e balas. Todas as casas da cidade estarão neste dia ornamentadas com uma abóbora em forma de caveira, símbolo tradicional das bruxas. Mas, é uma festa alegre e civilizada que marca o fim do verão, a chegada do inverno e o término da última colheita. Ás 19 horas em ponto, horário combinado, chegamos ao restaurante Europe. Edward e Therese já nos esperavam. Cumprimentamo-nos e seguimos para a mesa indicada pelo garçom e reservada antecipadamente. Enquanto degustávamos um tradicional gole da Guiness, o garçom servia o jantar. Passamos horas e horas observando as fotos e discutindo os pontos negativos e positivos da viagem: Negativo os serviços de quarto, restaurante e bar do hotel em Milão, depois a hospitalidade do povo Milanês. A estadia em França, Espanha e Portugal não mereceu comentários, por acharmos dentro dos padrões normais da hospitalidade internacional. Após o jantar, fomos a um cinema assistir “Tropa de Elite” filme brasileiro, sucesso nas telas de Dublin. Às 24:00 recolhemo-nos ao hotel.

Durante o jantar Edward nos persuadiu permanecermos mais alguns dias em Dublin, a fim de aproveitar uma semana de suas férias que havia conseguido antecipar, somente para nos proporcionar novos entretenimentos e outros conhecimentos de seu país. Conseguimos adiar a viagem de volta ao Brasil para o dia 11 de novembro.

Na manhã seguinte, em seu automóvel rumamos para Belfast, Capital da Irlanda do Norte. A Irlanda é uma ilha que se divide em dois centros políticos. Norte e Sul, ou seja: República da Irlanda e Irlanda do Norte: Dublin e Belfast são suas capitais.

Belfast foi a única cidade da Irlanda a não sentir os efeitos da revolução Industrial. O desenvolvimento da indústria naval, de tecelagem e fumo elevou a população da cidade e se firmou como única exceção de desenvolvimento do Reino Unido. O povo, apesar do costume inglês é cordial e simpático. A cidade fica próxima à margem do Rio Lagan.

Uma coisa interessante que notei, é que Belfast está praticamente sobre o Rio Forst, nas margens do qual cresceu e se desenvolveu. O Rio é pequeno, sem importância hidroelétrica, razão pela qual hoje está canalizado e passa sob a High Street, tal qual o Anhangabaú em São Paulo.

A cidade de Belfast presenciou o pior conflito entre cristãos e protestantes, amenizado pelo acordo da Sexta Feira da Paixão, o “Good Friday”, fato que encorajou seus dirigentes a reconstruir a cidade, destruída em parte pelas desavenças dos grupos rivais. Surgiram assim obras monumentais como Victoria Square, Titanic Quarter, Langansider, incluindo o novo complexo Odissey e Water Front Hall. Existem duas grandes universidades: a University of Belfast e a University of Ulster, sendo que nesta última concentram-se as escolas de belas artes e designs.

Em Belfast conhecemos suas principais atrações e pontos turísticos: edifícios em estilo vitoriano e eduardino, erguidos em homenagem aos Reis Victorio e Eduardo, da Inglaterra: Albert Clock, um prédio suntuoso e belo, o edifício da Prefeitura, o campus da universidade de Belfast e tantos outras construções, como a sede do Banco Ulster, construído em 1860, o Northen Bank, construído em 1769 e o edifício da Biblioteca Linenhal Libray, construído em 1788. No porto, de onde vimos à distância observamos os guindastes do estaleiro Harband and Wolff, chamados de Sansão e Golias, que auxiliaram a construção do famoso navio Titanic, naufragado em 1912, exatamente no dia 15 de abril, no Atlântico Norte, em sua primeira viagem. Este navio pertencia a Companhia White Star, propriedade do famoso milionário americano J.P.Morgan, também dono de varias empresas e do famoso e tradicional banco J.P.Morgan.

Em algumas ruas da cidade de Belfast, ainda restam de murais que simbolizam a luta fundamentalista de duas crenças. São murais protestantes os fieis à Coroa Inglesa, católicos, os simpatizantes da liberdade e da união da Ilha. Outro fato interessante que notei em Belfast foi o Bar Crow Liquor Saloon que fica do outro lado da Great Victoria Street, que saiu ileso, sem nenhuma marca de bala durante os conflitos religiosos e políticos. Segundo dizem os frequentadores, isso aconteceu porque Deus protege os bêbados, tal qual ironizado por Oscar Wilde. Nada mais justo, já que o povo irlandês é tido como bom bebedor de cerveja. Há ainda em Belfast o edifício mais alto de toda a ilha da Irlanda: o edifício Windsor Hause que tem 80 metros de altura e 23 andares.

Depois de percorrermos a cidade, já quase quinze horas, resolvemos parar para almoçar num restaurante local e saborear a deliciosa comida Irlandesa à base de peixes. Come-se bem na Irlanda, talvez não como no Brasil. Depende do gosto e do bolso de cada um!

Após o almoço retornamos a Dublin aonde chegamos por volta de vinte e três horas. Noite, como sempre fria e nublada. O fog britânico característico era bem visível.

Crônica - Cesar Cruz

Fish Watching

O Hugo pegou um Peixinho...

Apanhei minha filha na escola e fui dirigindo pra casa. De repente, sem preâmbulo algum, ela lá da sua cadeirinha me solta a intrigante frase que dá nome a esta crônica. Olhei pelo retrovisor e ela agora observava a paisagem, como quem fez apenas um comentário sem importância, desses que fazemos quase que pra gente mesmo, pensando alto: “Amanhã tenho consulta...”, ou qualquer dessas coisas do dia-a-dia que, quando escapam do pensamento da gente e ganham som na nossa voz, não são para serem postas à prova por quem quer que seja, são só para se ouvir e esquecer.

Ainda assim, diante da transitividade da frase, indaguei-a para ver se descobria o enigmático complemento daquele predicativo:

“Filha, o Hugo pegou um peixe e fez o quê?”.

Talvez ela até tenha me respondido, mas se fez confesso que me distraí e não ouvi, ou talvez eu tenha inconscientemente descartado a questão de antemão, acreditando que poderiam ser personagens de algum desenho, talvez um desenho chamado “Hugo e o Peixinho”, já que aos 4 anos as crianças vivem em um mundo que mistura o lúdico com o real. E eu, como sou dono de uma sólida ignorância para desenhos animados, acabei que me esqueci do assunto.

E uns vinte dias se passaram depois daquilo...

O amigo leitor veja como nossa negligência às vezes pode custar vidas, como de fato custou. Se eu tivesse dado a devida importância ao que tentou me alertar a Michele naquele dia, poderia ter evitado um dos maiores peixecídios (Genocídio de peixes) que já se teve notícia no bairro do Cambuci.

Sexta última, a Vanessa me disse: “Você nem sabe! Hoje quando fui pegar a Michele havia uns funcionários montando uma cerca em volta daquele laguinho que fica ao lado da recepção da escola”.

“Ué, pra quê?” - perguntei.

“Pras crianças não se aproximarem mais. Você acredita que um amiguinho da Michele, o Hugo, quando nenhuma professora estava olhando, se agachava ali, pegava um peixinho e guardava na mochila? Parece que ele pegou mais de 15 peixinhos nos últimos dias! E em casa, escondido da mãe, ele guardava os peixinhos bem quentinhos dentro de uma gaveta”.

Tradução - Eduardo Miranda

Shahpari Behzadi
Se vieres a mim
Venha suave e lentamente
Para que eu não parta
e acabe só em minha solidão!

(Sohrab Sepehri)

به سراغ من اگر مي اييد
نرم و اهسته بياييد
مبادا كه ترك بردارد
چيني نازك تنهايي من!

(سهراب سپهري)

Releitura - Guilherme de Almeida

Jelena Dorosev

Releitura deste mês traz um poema do francês Charles Baudelaire, na belísima tradução de Guilherme de Almeida.

O Albatroz

Às vezes, por prazer, os homens de equipagem
Pegam um albatroz, enorme ave marinha,
Que segue, companheiro indolente de viagem,
O navio que sobre os abismos caminha.

Mal o põem no convés por sobre as pranchas rasas,
Esse senhor do azul, sem jeito e envergonhado,
Deixa doridamente as grandes e alvas asas
Como remos cair e arrastar-se a seu lado.

Que sem graça é o viajor alado sem seu nimbo!
Ave tão bela, como está cômica e feia!
Um o irrita chegando ao seu bico em cachimbo,
Outro põe-se a imitar o enfermo que coxeia!

O poeta é semelhante ao príncipe da altura
Que busca a tempestade e ri da flecha no ar;
Exilado no chão, em meio à corja impura,
A asa de gigante impedem-no de andar.

Tradução de Guilherme de Almeida. In: MAGALHÃES JÚNIOR, R. Antologia de poetas franceses do século XV ao século XX. Rio de Janeiro: Gráfica Tupy, 1950.

L'albatros

Souvent, pour s'amuser, les hommes d'équipage
Prennent des albatros, vastes oiseaux des mers,
Qui suivent, indolents compagnons de voyage,
Le navire glissant sur les gouffres amers.

A peine les ont-ils déposés sur les planches,
Que ces rois de l'azur, maladroits et honteux,
Laissent piteusement leurs grandes ailes blanches
Comme des avirons traîner à côté d'eux.

Ce voyageur ailé, comme il est gauche et veule!
Lui, naguère si beau, qu'il est comique et laid!
L'un agace son bec avec un brûle-gueule,
L'autre mime, en boitant, l'infirme qui volait!

Le Poète est semblable au prince des nuées
Qui hante la tempête et se rit de l'archer;
Exilé sur le sol au milieu des huées,
Ses ailes de géant l'empêchent de marcher

BAUDELAIRE, Charles. "Les fleurs du mal". In: Oeuvres complètes. Paris: Robert Laffond, 1980.

Ilustração - José Geraldo de Barros Martins


Ilustração de José Geraldo de Barros Martins

Ilustração - Shahram Karimi

Traces (detail shot) 2009
Mixed Media stitched on imported rice bags
147 x 52.7 in / 374 x 134 cm
Nascido em 1957, no Irã, Shahram Karimi cresceu em Shiraz. Auto-didata, ele tem sido bem sucedido tanto no Irã como no Ocidente. Suas pinturas retratam o dilema do contemporâneo bicultural iraniano que procura sua identidade histórica e pessoal no casamento do passado com o presente. As pinturas Karimi sempre apresentam fragmentos de suas lembranças, história do país e pedaços de seu passado pessoal. É assim que o pintor se esforça para remover a poeira do esquecimento de sua própria memória e revelar a identidade do iraniano, perdido num mundo de um passado muito simples e um presente relativamente rápido e contemporâneo, que não tem qualquer relação com o mundo de sua infância. Este é o lugar onde Karimi percebe a necessidade de elementos de sua formação iraniana, e adiciona elementos da poesia iraniana, para assim deixar sua marca: o poema persa que os iranianos tanto se orgulham e que para eles é o único elemento indivisível da cultura que todos abraçam. Shahram Karimi está atualmente vivendo e trabalhando na Alemanha e nos Estados Unidos.

Ilustração - Ruzbihan al-Shirazi


Shamsa - Qur'an
Ruzbihan al-Shirazi, early 16th Century, Iran
Is 1558, f. 2a in Chester Beatty Library, Dublin

Shamsa em árabe significa "Sol". Está ilustrado no início do Corão copiados e iluminados por Ruzbihan Muhammad al-Tab'i al-Shirazi. O texto em branco no centro da ilustração é o versículo 17:88 em Al Corão.

Resenha - Ronaldo Cagiano

Chocolate Heaven - Painting On Canvas by Mazoo


Oficina criativa

Em Cheiro de chocolate e outras histórias, Roniwalter Jatobá não só mantém-se fiel ao mapeamento afetivo, geográfico e psicológico de suas origens, como também atualiza seu olhar sobre a vida difícil dos migrantes na metrópole cosmopolita. Conta histórias a partir de sua própria experiência existencial, reconstruindo cenários, vidas e mundos do interior e da cidade. E ao recontá-las, num trânsito simbiótico entre a invenção, as vivências e a memória, fala de uma realidade humana e social tangida pela luta em sobreviver e marcada pelo afastamento das raízes, o deslocamento e a insularidade.

Inventário de contos e crônicas, essas narrativas constituem um painel pungente e poético de trajetórias que falam de perto de um País que na segunda metade do século passado desenvolveu-se de forma avassaladora, na mesma intensidade em que a vida de muitos trabalhadores brasileiros sofria seus revezes. É essa gente que luta contra as adversidades de um Nordeste sem perspectivas e amiudado pela miséria, e que busca na Paulicéia industrializada o abrigo para suas esperanças, que Jatobá espelha com um talento cinematográfico e uma dicção singular. Campanário e São Miguel Paulista, Jacobina e Itaim, Bananeiras, Campo Formoso e avenida Paulista, Salvador ou Vila Ré, na cidade ou na periferia vamos reconhecer nos protagonistas de Cheiro de chocolate a metáfora de homens e mulheres esgarçados, encontradiços em qualquer lugar do mundo, com suas dores e delícias que carregam uma profunda carga de universalidade.

Seres em permanente deslocamento, em constante busca: do trabalho, do amor, de melhores condições; ou do retorno. Nas vozes e peles de Artur, Oswaldo, Waldomiro, Roberto, Naninho, Júlia, João de Deus, Gustavo, Leila, Janice, Arlindo, Leididai um recorte dos sonhos, desilusões, desencontros, desencantos, caminhos nublados, pesadelos, da névoa do passado ou das tempestades que esperam dissipar em algum lugar do futuro. Dizem ao leitor muito além da simples apreensão de seus quotidianos.

Se o livro é uma extensão da memória e da imaginação – como retratado por Borges e sustentando o diálogo em um dos contos – o autor, ao longo de sua carreira, “vem buscando meios de criar personagens, gente com vida”, como agora, ao traçar com delicadeza a vastidão comovente desse caleidoscópio de situações. Ao abordar o mundo (ou o) que viveu e testemunhou, Jatobá peculiariza em sua oficina criativa o mesmo sentimento de Goethe: “O começo e o fim de toda atividade literária é a reprodução do mundo que me cerca por meio do mundo que está dentro de mim.”

Ensaio - Ronald Augusto


Junco persegue metáforas e achados sem lograr poemas

Por transparência a capa do conjunto de poemas Junco (“junco” também é metonímia de embarcação, no mesmo sentido em que o são “lenho” e “madeiro”) funde e justapõe as imagens do cachorro e do tronco mortos; aquele em decomposição à margem da rodovia e este, fungível, à beira da praia. A tentativa, ou a determinação da decomposição sígnica por meio da autorreflexividade redundante, maníaca e insistente, quer do serialismo verbal visado no desenho sintático dos poemas, quer do colecionismo obsedante na sequência de fotografias que embalsamam e estetizam as carcaças animal e vegetal — graças ao registro cotidiano de suas ocorrências —, pode nos servir de ponto de apoio para a compreensão liminar do recente livro de Nuno Ramos.

Junco, à primeira vista, resta cindido entre o não-verbal e o verbal. “Cindido”, como assim? Se a media escolhida é o objeto livro, então não há (ou não deveria haver) hesitação com relação ao verbal. Essa situação, que não precisa ser necessariamente dilemática ou neutralizadora de consequências estéticas mais relevantes, pode ser que se relacione com a vocação ambidestra de Nuno Ramos: escritor e artista visual. Mas não é o que acontece. A datação dos poemas, a revelação em nota sobre os catorze anos de elaboração (com largas interrupções) do conjunto, a observação desinteressada sobre os muitos leitores conquistados em fase anterior à publicação da obra, enfim, essas informações adicionais tendem mais a incutir simpatia e afeto ao “processo de criação” do que nos solicitar uma atenção efetivamente crítica e isenta ao volume que, infelizmente, se abre agora à nossa leitura expondo algo de sua intimidade indecorosa.

Não obstante as objeções à possível impertinência do meu ponto de vista, não posso deixar de assinalar aqui (ou de pôr as coisas em relação, melhor dizendo) que as séries de fotos entremeadas aos blocos de poemas se mantêm mais firmes do que eles (os poemas, que, de resto, justificam a aparição do livro). Isto me faz supor um leve tremor, já que, nessa relação se esperaria do verbal algum protagonismo — mas, se enxergo as coisas mais ou menos bem, Nuno Ramos parece não se preocupar com tal hierarquização e nisso está correto. De qualquer sorte, a certa altura, cheguei mesmo a considerar os poemas como grandes legendas pretensiosas, arranjadas e diagramadas nas páginas para fazer falar, a contrapelo da escassez informacional contida nas imagens, aquilo de que elas não podem falar de modo nenhum.

No entanto, ao contrário do apetite discursivo, por exemplo, de um curador de arte que se mobiliza — sem prescindir de certa dose de razão — em explicações à intraduzibilidade constitutiva da obra de arte não-verbal, os poemas de Nuno Ramos, versões legíveis, mas não inteligíveis do não-verbal, não conseguem vencer a margem de intransitividade em que se consomem a si mesmos. A interrupção intransitiva, ou o fracasso semântico, não é corolário de uma determinação, é antes uma sorte de escolho que está a caminho de algo e que obsta a linha e a linguagem. Só nesse ponto acho consequente estabelecer relações entre o autor de Junco e João Cabral de Melo Neto e seu, por exemplo, Cão sem plumas (1949-50). Com efeito, os poemas do artista são exemplos dessa poesia intransitiva que Cabral põe em questão. Que as linguagens se aproximem em um cotejo disjuntivo e não por meio de negaceios lenientes levados a efeito visando limar a rispidez necessária que vem à tona quando textos são postos em relação.

Embora seja possível sondar alguns índices de contato e de contrastes entre os dois poetas, acho difícil, para o caso em tela, não lançar mão da conhecida advertência: “guardadas as devidas proporções...”. Flora Süssekind, por exemplo, pretende avizinhar a poesia de Ramos de certos estilemas cabralinos, mas para isso cunha uma metáfora que a bem da verdade interpõe entre ambos um intervalo quase que intransponível, já que, segundo a crítica, a linguagem de Junco faz um movimento “largamente expansivo” de assédio a Uma faca só lâmina (1955) — ou a Cão sem plumas —, conjunto evocado pela analista para proceder às correlações. Ora, esse aceno “largamente expansivo” de Nuno Ramos ao poeta João Cabral só cabe mesmo nesse advérbio e nesse qualificativo mercê do gesto mais comiserado do que generoso (na esperança de ser pertinaz) de Süssekind. A parábola de aproximação é tão ampla que, não raro, vemos Nuno Ramos sair da órbita do seu modelo. O objetivo de Flora Süssekind não deve ter sido operar uma despropositada subversão de um marco poético de nossa tradição, confrontando-o com um poeta em progresso. Invocar a referência meramente nominal, a saber, relógio, bala e lâmina, senhas sem peso (dispositivos-clichês próprios para a colagem) de que se servem os poemas dispersivos de Ramos, ou ainda, as carcaças de cachorros mortos, troncos-lenhos, despojos de árvores cuspidos e lixados pelas ondas na areia da praia; enfim, jogar estes fragmentos sobre a mesa a título de menção a um golpe de citações, me parece muito pouco e forçado, além de denunciar uma desmedida boa vontade da crítica para com os esforços poéticos do consagrado artista. O que teria tudo isso a ver com o rio-cão-sem-plumas, essa metáfora sinestésica cambiante — cujo ritmo prepara a narrativa-rio do livro O Rio (1953) publicado a seguir e onde Cabral, em parceria com o leitor, se propõe a compor “una prosa” —, essa estrutura verbal que já não é surrealismo, mas que ainda não chega à agudeza prolixa da lâmina mais pernambucana que matemática do poeta de Escola das facas?

Junco (os poemas de, e não as imagens) é ligeiro em sua pretensão vagamente litúrgica no arranjo da linguagem, samba do branco doido nostálgico do oráculo de Delfos, diz, assim, Nuno Ramos: “Perder é uma argila”; “Perder é o selo de uma carta...”; “Irmãos da matéria/ no curso de volta/ à confraria/ cinza/ de antigos corpos.”; “Ama, disse meu olho/ os dois íntimos contrários/ areia e mar”; “O chão é a grande pergunta...”; “Um lugar não é um ganido...”; “Um lugar não é uma ave...”; “Não há trigo/ mas sal, escamas...”; “O que de mim se ouve/ em voz e canto não é sopro...”. “Nunca houve/ vácuo, nunca um/ nada vago”. Na perspectiva de tramar os fios informacionais de um aos fios do outro, não se pode com isso glamourizar o contemporâneo, nem muito menos dessacralizar o clássico a qualquer custo. Podemos, sim, reconhecer que a fruição estética exerce seu poder e se projeta sobre as aparentes disjunções entre o atual e o antigo, e torna tal oposição se não irrelevante pelo menos secundária. O leitor hedônico extrairá, talvez, uma grande satisfação desse diálogo, pois o que justifica a leitura — as transas e os transes de um texto —, não é a sua antiguidade ou novidade, mas o prazer que ele pode proporcionar a quem tiver apetite para experimentá-lo na fatura de múltiplas relações.

Os poemas de Junco são a imitatio piorada de certas constantes da arte contemporânea que é de matriz metafórico-objetual, isto é, lida com possibilidades imaginativas e associativas livres no intuito de presentificar ou reificar uma imagem-pensamento em um particular espaço-evento onde objetos se relacionam e acabam por simplesmente materializar um símile mental na forma do trocadilho transitável. Por essa razão, a arte contemporânea se constitui como discurso cenográfico antes de tudo; cenografia performativa para uma justaposição de coisas e objetos: tautologias, coleções de nulidades resgatadas ao inferno biográfico do artista. A metaforização enquanto diluição perdulária, cacoete charmoso: “Longo e longo desenrolar de imagens, como se o poeta tentasse recriar a coisa dando-lhe mais e mais nomes, num processo mágico fetichizante” (Mario Faustino dixit). Nuno Ramos projeta a metáfora ornamental sobre a metáfora interpretativa. Exemplos: “cadáver de uma árvore boiando”; “Ruga/ de um urubu na espuma”; “nuvem de camurça”; “asas de areia quente”; “pentes de terra, livros de cedro”; “noites de giz”; “os alicates das mandíbulas”; “coração de pedra, coração de musgo”; “a cartilha do sopro”; “a cusparada/ da chuva”; “meu sopro é de areia/ meu rim é de areia”.

João Cabral de Melo Neto em seu Cão sem plumas faz, por seu turno, um jogo de plano e contraplano entre metáfora e anáfora. O poema, embora calcado ferreamente sobre a analógica da similitude, nos impõe a sua cadência, sua figura rítmica, mais pela reiteração da conjunção adverbial comparativa “como” do que pelo inesperado das comparações. O andamento anafórico dos versos traduz o sentido em cadência. Quando não o vislumbramos ouvimos o rio espesso: “imagem de cão ou mendigo”. Um excerto: “Aquele rio/ está na memória/ como um cão vivo/ dentro de uma sala./ Como um cão vivo/ dentro de um bolso./ Como um cão vivo/ debaixo dos lençóis,/ debaixo da camisa,/ da pele.”.

Caberia acomodar Junco na prateleira dos livros de “artista em férias”? Foi mais ou menos com uma blague análoga que Manuel Bandeira deprimiu a poesia de Oswald de Andrade. O poeta de Libertinagem, vestindo, por seu turno, a máscara do antropófago iconoclasta, se referiu aos poemas do companheiro modernista como produtos de “um romancista em férias”. Por favor, não pretendo, aqui, deprimir ninguém. Mas se a analogia vale para o renomado artista Nuno Ramos, podemos refinar a diatribe, porquanto a consecução desses poemas de “artista em férias” já incorpora uma rotina parcialmente reconhecida. Desde Cujo (1993) até Junco (2011), Ramos publicou mais quatro títulos. Talvez não seja adequado tratá-lo como um poeta bracejando comprimido no intervalo das férias do artista visual. Como se dizia, em um tempo não muito distante, Nuno Ramos se afigura um multi-instrumentista.

Por outro lado, sem pretender ser pessimista ou estraga-prazeres, se já é complicado, como uma vez argumentou o craque de futebol Ademir da Guia, “manter, em qualquer profissão, sempre o nível mais alto que se consegue alcançar” — e o jogador não livra nem Pelé, nem Picasso dessa lei —, que dirá o sujeito que se desdobra em duas ou mais expertises. Em algum momento, nesse processo de prestidigitação e de desequilíbrio dinâmico, a embarcação fará água. No caso de Junco, os poemas indicam a parcela murcha do compósito. O aspecto menos entusiasmante. Seus poemas: êmulos, carcaças sub-baudelairianas. E meu senso de injustiça me obriga a registrar, para efeito de comparação, o poema também anafórico “Boi morto” de Manuel Bandeira, poema “espantosamente boi”, que é presentificado por meio de uma música reiterativa, levada — quando enunciada — ao limite do fade out para o branco do silêncio e da página. Não é meu desejo, com essas anotações marginais, apresentar Nuno Ramos como um poeta ruim; não. Só intento com isso afirmar que ele está longe de ser um bom poeta. Melhor que Mariana Ianelli e Age de Carvalho, o rapaz é. Não é muito, mas de algum lugar se deve começar.

Não é novidade para ninguém que um poema, em sua construção, incorpora achados, efeitos fônicos, trocadilhos, diatribes de sentido e som, enfim, esses elementos que Roman Jakobson chama de “equações verbais”. Um poema pressupõe esses insumos ou escapes, mas não se esgota neles. Junco é um livro que congela, lista uma série desses recursos que, no entanto, não resultam em poema relevante. Nuno Ramos persegue metáforas e achados sem lograr poemas. Tem em mãos algumas dessas equações, mas não poemas.